terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Dicionário: Entendendo a linguagem do Norte/Noroeste do Paraná.



Em 2007, quando mudei para o Paraná, o primeiro impacto que senti foi o cultural. Mais até que o fator climático. Afinal, saí de Manaus, no Norte do Brasil onde nasci e vivi durante 25 anos e cheguei a uma região praticamente desconhecida. É óbvio que em um país de dimensão continental, iria encontrar muita coisa diferente ao chegar ao sul.

Dentre aquilo que vi de diferente, destacarei nesse texto as palavras e expressões típicas do Norte/Noroeste do Paraná. Algumas delas são utilizadas no Estado como um todo, outras na região sul inteira e tem aquelas que são provenientes do sul do Estado de São Paulo, que é quase limite com a cidade onde moro: Maringá.

Toda região do país, além do sotaque, tem um linguajar característico, palavras e expressões que são próprias do lugar. Assim como em Manaus existe, ao chegar em Maringá não foi diferente. Só que no primeiro momento, confesso que senti dificuldades. Foram necessários pelos menos uns seis meses para que eu compreendesse algumas expressões, associando o contexto das frases que se formavam em uma conversa.

O que fiz, então: anotei várias dessas palavras e expressões e criei uma espécie de minidicionário. Bem a grosso modo mesmo. Depois que não precisei mais, abandonei e larguei em qualquer lugar. Hoje, folheando um livro, encontrei o papel com os meus rabiscos no meio das páginas e resolvi compartilhar aqui. Então, caso você seja de outra região do país e um dia aparecer por essas bandas, quem sabe esse pequeno dicionário lhe ajude.

Obs. 1: Apesar de certamente existirem muitas outras palavras, cito aqui somente as que constam nas minhas anotações e/ou as que de alguma forma ouvi falarem perto de mim. E, claro: antes de mudar para o Paraná, nunca tive nenhum contato com elas.

Obs. 2: Certamente este post será atualizado eventualmente conforme eu descobrir e lembrar de termos novos. Com isso, fique à vontade para voltar aqui.

Vamos a elas:

Anarquia: Bagunça. Ex.: A caixa de brinquedos caiu e fez a maior anarquia no chão.
Apurado: Estar em apuros, geralmente com muita vontade de ir ao banheiro.
Axa!: Interjeição de surpresa, espanto. Ex.: Axa!! Sério que ele disse isso?
Bão: O mesmo que bom. Geralmente antecedendo a palavra "também".
Bezorro: Assim como o americano não consegue pronunciar palavras com "~", o paranaense não consegue falar "besouro".
Bigato: Larva, verme.
Biscate: Em outras regiões é o mesmo que quenga, put*, mas nesse caso sempre como ofensa e não a profissão.
B.O.: Problema. Ex.: Deu um B.O. no carro. Vai ter que levar no mecânico.
Capaiz: Expressão utilizada para duvidar de algo. Ex.: Capaiz que ele comeu tudo em um minuto.
Carpir: Capinar, aparar o mato alto.
Catar: Pegar/agarrar com as mãos. (Eu conhecia como colher, selecionar)
: Abreviação para "você". No plural, a palavra se transforma completamente para Seis (e não é o numeral).
Cem-ão: Cem reais. Para Dez Reais, a expressão é Déi-zão.
Circular: Utilizada para citar o ônibus coletivo do transporte público. Provavelmente porque a primeira linha de ônibus da cidade, tinha esse nome no itinerário.
Cozido: Cansado, entediado, sem ânimo pra nada.
Daí:
Funciona como um ponto final em qualquer frase. Ex.: Hoje eu chego mais cedo, daí.
Data: Terreno, lote. Geralmente vem acompanhada do verbo "Carpir" que vimos antes. Ex.: Preciso carpir essa data porque o mato tá muito alto.
De apé: Ir a pé a algum lugar. Ex.: Cansei de esperar a circular e fui de apé pro centro.
De cara: Inconformado. Ex.: Fiquei de cara com o resultado das eleições.
Drumir: Dormir.
É, ué!: Expressão que reforça um "sim". Ex: Sério que aquela loja fechou?/ É, ué! Não sabia?Erguer: Aumentar. Ex.: Ergue um pouco o volume, porque não estou ouvindo.
Estrovar: Incomodar. Ex.: O bêbado passou a noite estrovando na festa.
Fi! Expressão que em outras regiões, são conhecidas como "meu filho". Ex.: Não vem com essa não, fi! Aqui não!
Fuca/Fuco: É o Fusca mesmo, carro da VW. Paranaense não sabe pronunciar o nome certo.
Lazarento: Ofensa. Algo como desgraçado. Ex.: Sai daqui, seu lazarento!
Macetar:
Amassar, bater forte. Ex.: Macetei o dedo sem querer com o martelo.
Mistura:
Todo alimento que acompanha a base da refeição do brasileiro que é o arroz e o feijão. No caso, a mistura pode ser a carne de boi, frango, peixe...
Na Roça: Estar em uma situação complicada, difícil, ferrado. Ex.: Perdi meus documentos. Fiquei na roça.
Nimim:
Junção de em + mim. Ex.: No dia do meu casamento, jogaram arroz nimim.
Os Hômi: É assim que se referem à polícia. Ex.: Tá tendo muito assalto nessa região. Vou ter que chamar os hômi.
Ô Loco!:
Interjeição de espanto igual ao "axa"!
Patente: Privada, vaso sanitário. Ex.: Depois que der a descarga, não esquece de fechar a tampa da patente. (Essa palavra eu adoro pela complexidade que tive de entendê-la. Após este dicionário tem um apêndice especial sobre ela.)
Piá: Menino novo, garoto.
Pitar: Fumar.
Pó da gaita: Cansado, exausto. Ex.: Trabalhei tanto hoje que agora estou só o pó da gaita.
Podar: Ultrapassar. Ex.: Se você não podar esse caminhão, ficaremos atrás dele até chegar na cidade.
Polaco: Uma pessoa de pele muito branca, caucasiana, de olhos e cabelos claros. Tipo o Humberto Gessinger.
Ponhar: Variação errônea do verbo "pôr". Ex.: Vou ponhar mais açúcar no café. (Sinceramente, odeio com todas as minhas forças essa expressão. Cada vez que ouço, eu sinto um chute no estômago).
Pozar: Passar a noite, dormir fora de casa. Ex: Como está muito tarde, hoje vou pozar na casa da minha mãe.
Redondo: Rotatórias em ruas e avenidas.
Relar: Tocar de leve. Ex.: O goleiro chegou a relar na bola, mas mesmo assim ela entrou no gol.
Riba: Pra cima, em cima, acima. Ex.: Qual caixa eu tenho que pegar? A de riba ou a de baixo?Sinalêro: Semáforo, sinal de trânsito. Ex.: Deu tempo de frear antes do sinalêro ficar vermelho.
Tranqueira: Pessoa de má índole. Bandido. Gente ruim. Ex.: Aquele cara não vale nada. É um tranqueira!Trupicar: Tropeçar. Ex.: Trupiquei na calçada e dei com a cara no chão.
Tubaína: Corretamente é uma bebida não alcoólica cujo sabor é um misto de frutas, mas que no geral o termo é utilizado para qualquer refrigerante regional, seja ele a própria tubaína, guaraná, laranja e etc.
Xacuaiar: Agitar, sacudir. Ex.: Cê tem que xacuaiar antes de beber. Xacuaia bem.
Zarpar: Sair, ir embora. Ex.: Zarpemos de lá ontem à tarde.
Zorba: Cueca. (No sul e sudeste do Brasil, a metonímia é bastante utilizada. Com isso é muito comum ouvirmos as pessoas substituírem uma palavra pela sua marca comercial, principalmente se ela for pioneira.)

APÊNDICE: A PATENTE

Falei que é a palavra que mais gosto justamente por ser a que levei mais tempo para entender. É óbvio que eu conhecia da forma que, ao meu ver, é a correta: uma carta que dá privilégios a uma pessoa sobre determinada invenção ou um título militar.

Eu ouvia, analisava a frase, os elementos, mas não conseguia entender o contexto. Mas uma coisa me intrigava: tinha ligação com o banheiro. Eu poderia muito bem chegar para as pessoas e perguntar. Mas, eu me empolguei tanto com a brincadeira de descobrir as novas palavras por meio dos contextos, que preferi ir até o fim.

No dia em que eu descobri o significado, foi tamanha a exaltação que só faltou eu gritar "Yeah, Bitch!!!". Talvez se "Breaking Bad" existisse naquela época, provavelmente faria isso.

Na ocasião, fiz algumas amizades com um pessoal muito divertido da Renovação Carismática Católica de Maringá, da qual frequentava. Foi preciso eu ir longe, sair do Paraná, para entender o que significava a tal da patente. Foi lá no Vale do Paraíba em São Paulo, em uma excursão religiosa, que aconteceu a grande descoberta.

Ficamos alojados em uma escola pública, cedida pela prefeitura da cidade, e todos tinham que dividir algo em torno de dois banheiros. Era inverno. Estava eu na fila, um frio do cacete, aguardando a minha vez, e sempre que alguém saía do banheiro, fazia um comentário sobre a patente ser debaixo do chuveiro.

Era a dica que eu precisava! É só olhar para o chuveiro, mirar no chão e ver o que tem embaixo. Vale lembrar que eu entendia como batente (com "b"). Palavra que eu também conhecia como uma ripa de madeira na horizontal que limita o movimento das portas. Com isso, eu ficava me questionando: tem um batente no chão e o pessoal está tropeçando enquanto toma banho? Será que é por isso que eles estão reclamando?

Enfim, quando chegou a minha vez, fiz aquela análise do ambiente e movimentei os olhos na vertical partindo do chuveiro. Para minha surpresa vi o vaso sanitário em uma linha quase que reta. Havia até uma certa dificuldade para tomar banho. "Ah, então eles chamam privada de batente..."

De banho tomado, fiquei por ali, acompanhando as conversas e foi quando descobri que eu ouvia errado: era com a letra "p". "Ô, lôco! Sentei pra dar um cagão na patente e o chuveiro ficava pingando nimim.", foi uma das coisas que ouvi.

Só que a dúvida ainda não estava 100% esclarecida. Eu queria saber de onde o povo inventou que vaso sanitário é patente. Voltando pra Maringá, fiz uma rápida pesquisa e segundo um Instituto Especializado em P*** Nenhuma, descobri o porquê. E ri, ri muito mesmo sem saber se a história é real.

Como eu disse antes, na região sul e sudeste do Brasil, o uso da metonímia é intenso. Trata-se de uma figura de linguagem, dividida em várias categorias sendo que uma delas é substituir a marca pelo produto. Ex.: Bombril, para esponja de aço; Gillete para lâmina de barbear; Sucrilhos para cereal de flocos de milho e por aí vai. Até a própria tubaína é um exemplo disso. Não precisa nem necessariamente ser uma marca, mas desde que esteja estampado na embalagem ou no próprio corpo do produto. Foi esse o caso do vaso sanitário.

Segundo o que li, no passado, o Brasil importava louça sanitária da Inglaterra e elas chegavam aqui com a inscrição "Patented" estampada ou em relevo no produto. Obviamente, o pessoal via aquela palavra gigante e com isso passou a chamar assim o utensílio, de geração a geração. Hoje as crianças menores crescem falando patente. E mais uma vez: é claro que eu dei risada ao saber disso.

Apesar de ser a palavra preferida, eu nunca usei e nem tenho intenção de usá-la. Continuo e continuarei chamando de vaso sanitário. Mesmo eu já utilizando várias dessas palavras em meu vocabulário no meu dia a dia. Menos "ponhar". Aí é sacanagem.

Para encerrar, esse negócio de metonímia me fez refletir sobre a guerra existente entre o termo Biscoito x Bolacha. Levando em consideração que biscoito e sua variação etimológica são utilizadas no mundo todo, eu tenho quase, QUASE CERTEZA de que há muito tempo atrás havia uma marca brasileira de biscoito chamada Bolacha. Vale pesquisa, hein?

Um abraço e quem sabe em uma outra oportunidade eu não escreva um texto parecido, mas com as expressões e palavras amazonenses?

4 comentários:

Paulinh@=) disse...

Hahaha... adorei!!! E só posso dizer que quase todas as palavras citadas fizeram parte do meu próprio vocabulário ou do de pessoas da minha convivência...
À propósito, 'cê' ia se divertir muito com a miscelânea cultural e linguística aqui de Minas Gerais!
"Cê ia garrá de cunversa e ia ver que Minas é bão dimais da conta e num ia querer vazá daqui nunca mais!!!"

Anderson Rocha disse...

Hahaha! Tô ferrado,tem umas coisas beeeem diferentes!

Débora Brunes disse...

Hahahaha, ri muito lendo esse post. Muito mesmo! Talvez a mesma quantia que você riu quando descobriu de onde vem a nossa "patente". Hahaha

Também lembrei desse vídeo que assisti há algum tempo atrás: https://www.youtube.com/watch?v=CI5d8qZoe40

Quando você me contou desse seu "minidicionário" eu estranhei um pouco, eu sempre havia pensado que o Paraná era o único lugar do Brasil em que não se utilizava expressões regionais, por ser daqui e não prestar atenção. Mas, temos muitas.

Inclusive um amigo que veio do Rio Grande do Norte uma vez riu quando falei "Acha!" e disse que achava engraçado essa expressão utilizada aqui em Maringá. Na hora, fiquei meio sem entender e perguntei: Ué, por quê? Vocês (do Norte) não usam "acha"? E ele respondeu que sim, mas não no sentido de "desacreditar" em algo.

Eu havia ficado bem confusa, mas tinha ficado por isso mesmo. Anos depois, você me falar da existência dessas anotações a minha cabeça explodiu. Hahaha Depois veio o estalo "Era por isso que o Hudson estranhava o "Acha", nós também falamos em expressões regionais e eu não sabia". E, olha que já morei fora do estado, mas nunca me "toquei" que eu falava algumas coisas diferentes.

Essa regionalização desse Brasil é muito complexa! É cada uma... "que me aparece, viu?" hahah

Ah! Você esqueceu do "viu" e do "larga mão", que eu me lembre por hora. Hahaha

Hudson disse...

Olá, Alex, tudo bem?

Cara, ainda não o conheço, mas gostei muito do seu texto (leitura recomendada pela minha grande amiga/irmã Débora - que por pouco não foi minha madrinha de casamento, hehe).

Sabe esse amigo do Rio Grande do Norte a que ela se referiu no post dela? Pois bem, sou eu mesmo: Hudson do Vale.

A primeira expressão que ouvi no Paraná e que achei muito estranha foi justamente essa que ela citou. Depois, confesso, eu mesmo passei a utilizar, assim como outras da lista que você apresentou (menos "ponhar" se me permite esclarecer, hehe).

Atualmente, estou morando em Roraima e aqui já ouvi algumas expressões totalmente diferentes de minha região (Nordeste), assim como diferentes do Sul (onde também morei).

Lendo seu post me lembrei de uma aula de zoologia que tive enquanto cursava agronomia, ainda no primeiro semestre do curso, em 2004. Essa aula me fez entender que mesmo no próprio estado temos variações linguísticas e expressões bem diferentes, imagina a nível de Brasil. O que aconteceu? Estávamos "abrindo" literalmente um sapo quando a turma se deparou com uma "biloca" (expressão essa que eu também utilizava/conhecia) no estômago do sapo. Na mesma hora, um aluno levantou e disse: "isso é uma bila". Outro levantou e disse: "é uma bolinha de gude". Por pouco a professora não perdeu o foco da aula, hehe.

Assim, meu caro, obrigado pela agradável leitura (valeu Débora pela recomendação; além de ri muito, para mim foi um momento nostálgico fazer essa leitura) e sucesso com o blog.

Ah, me avisa quando o texto com expressões amazonenses sair, oks? Quem sabe ele não me ajuda, hehe!

Abraços,

Hudson do Vale